Em primeiro lugar, quero pedir desculpa aos meus leitores pela pouca frequência com que tenho escrito aqui no blog, mas, entre estudos e ensaios, o tempo torna-se escasso.
O último 'post' acerca de teatro que aqui publiquei trata do Tavarede-Marca, personagem do quadro «Foguetes...» do Chá de Limonete.
No Chá de Limonete, como já referi, o 22º quadro tratava de foguetes. O nosso amigo Tavarede-Marca vinha em conversa com o Chico Fogueteiro, que lhe vem dizendo que tem os foguetes que traz consigo vendidos para festejar o primeiro aniversário da bezerra do Belizário da Várzea. Entretanto entra Frei Manuel acompanhado do Manuel da Fonte, que, após dois dedos de conversa, explica ao visitante que o foguetório está na moda em Tavarede, sendo solicitados os foguetes do Chico para o mínimo acontecimento, dando mote ao fogueteiro para contar a tradição da sua família. Vejamos:
« Forneço foguetes p’rá Figueira e p’ra todo o concelho. Isto já vem de longe. O meu bisavô veio p’ra cá quando se começou a falar nas obras da barra. Ó’depois passou p’ró meu avô, do meu avô ao meu pai e agora sou eu; e já lá tenho em casa dois filhos a quem ensino o ofício, porque isto promete continuar...»
Após isto, o fogueteiro conta a história das obras da barra da Figueira, que foram bastante atribuladas, mas com muitos foguetes, pois, cada vez que se dava um passo, havia festa e, consequentemente, foguetes. No entanto, Manuel da Fonte enche o Chico de pavor quando lhe diz que vai ser daquela que as obras vão ser concluídas, assim, diz ele, acabar-se-ão as manifestações, as músicas, os discursos, os almoços e, com tudo isto, os foguetes, tendo ele de pôr os filhos noutro ofício. E assim acaba este quadro.
No entanto, Mestre José Ribeiro volta a pegar neste tema, em 1965, na Terra do Limonete, dedicando-lhe dois quadros, «A viúva do fogueteiro» e «Foguetes de três respostas».
Acontece que o Chico Fogueteiro se matou em consequência do desgosto que apanhou por não poder ensinar aos filhos o seu ofício e assim poder continuar a tradição familiar, devido ao começo das obras da barra. No Casal dos Mudos ninguém soube do sucedido e, por isso, vêm a Tavarede dois festeiros fazer uma encomenda de foguetes ao Chico, encontrando a sua viúva que os informa do sucedido e fala dos tipos de fogo do seu Chico:
«Viúva - O fogo do meu homem tinha fama em toda a parte. Ninguém fabricava melhor do que ele. E fogo de todas as qualidades e para todos os casos. Fogo solene, para as salvas, que até parecia fogo de artilharia. (Imitando) Pum!... Pum!... Pum!... Fogo barulhento, fogo feijão-frade.
2º. Festeiro - Feijão-frade! dará fogo que preste?
1º. Festeiro - Fogo dessa qualidade nunca ouvi nomear...
Viúva - Chamamos-lhe feijão-frade, por ser como certos sujeitos que têm duas caras, que querem ser uma coisa e outra, e afinal não são coisa nenhuma. É um fogo que nem é de salva nem de bateria, por ser duma coisa e outra: trr...pum! trr...pum! trr...pum!... pum!... pum!... O fogo de luzes era o que o meu Chico menos gostava de fazer. Chamava-lhe fogo intrujão. Dizia ele que enganava o povo: quando as luzes apareciam lá em cima, o povo olhava para o ar, não via mais nada, e ficava-se a dizer: “Ahn!...” e iam-lhe à carteira sem ele dar por isso.
1º. Festeiro - A mim já uma vez me roubaram um relógio quando eu estava a dizer “Ah!...”
Viúva - O meu Chico fabricava fogo para tudo - até para enterros.
1º. Festeiro - Essa é que eu não sabia! Fogo para enterros...
Viúva - Não há enterros que levam música? Por isso... Não há música sem foguetes. O que é, é que a música é triste (imita a marcha fúnebre de Chopin) e os foguetes também.
1º. Festeiro - Foguetes tristes... Como são os foguetes tristes?
Viúva - Tiram-se-lhe as bombas e fica só o canudo. O foguete de funeral faz só... fff... Mas o foguete alegre e verdadeiro, o foguete que não mente, o foguete de romaria, o foguete do Zé Povo, é o foguete de três respostas.»
E assim se dá o mote para o início do 23º quadro da peça - «Foguetes de três respostas...» - com um vira ao som do harmónio:
«Sobem ao ar os foguetes
numa alegria estridente.
Há festa rija na terra
e o povinho anda contente.
O povinho anda contente
na romaria a bailar.
Tristezas não tem quem ouve
foguetes a estralejar...
Foguetes! Foguetes!
que sobem no ar
e fazem trás! trás!
em vivo estoirar...
Foguetes! Foguetes!
Estoiram, dão luz
e gritam contentes
fazendo truz! truz!
Quem me dera ser foguete,
foguete de três respostas,
p’ra rebentar mesmo ao pé
da cachopa de quem gostas!
Foguete de três respostas
é melhor que fogo preso.
Não te chegues p’ra tão perto
que tenho o morrão aceso...
Foguetes! Foguetes! etc.»
Em 2004, da Marcha do Centenário fez parte uma adaptação dos quadros da Terra do Limonete, sendo necessários os foguetes para celebrar não o 1º de Maio Tavaredense, mas sim o centenário da SIT. Foi assim que vi representados pela primeira vez estes quadros, mas não me lembro. No entanto, com as benditas novas tecnologias, pude no outro dia ver a gravação desta peça, sendo a Viúva do Fogueteiro primorosamente representada pela Manuela Mendes, uma das amadoras da SIT que mais gosto de ver em cima do palco. Achei estes quadros divertidíssimos e não resisti a partilhar convosco este tema.
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